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“Andamos sempre a mamar na teta do Estado”

É Alexandre Soares dos Santos, o presidente de um dos vários grupos económicos que não querem dar nada ao Estado, quem o diz.

E eu concordo. E já o disse aqui e aqui.

Há algumas décadas que temos um sector empresarial (refiro-me aos grandes grupos económicos e não às pequenas e médias empresas que lutam dia após dia pela sobrevivência e pela possibilidade de alimentar as famílias dos seus colaboradores) que vive «a mamar na teta do Estado». Quem são os grandes empresas portuguesas? Salvo honrosas, mas raras excepções, ou operam em sectores protegidos como prestação de serviços de utilities (electricidade, telecomunicações, combustíveis, etc), ou vivem de parcerias público-privadas (havendo mesmo algumas que nasceram precisamente para esse fim), ou pertencem a grupos financeiros (ultimamente, os que mais têm mamado da teta do Estado), ou são grandes retalhistas como o grupo a que o senhor Alexandre Soares dos Santos preside (que, embora não vivam propriamente encostados ao Estado, também não fazem muito mais do que distribuir riqueza, não a produzindo realmente).

Desta vez sou obrigado a concordar com Soares dos Santos. Tem de se deixar a mama do Estado.

Pobres é daqueles que continuam sempre a ser catalogados como subsídio-dependentes inveterados, muitas vezes sem razão para tal epíteto, muito menos quando comparados com os verdadeiros mamões.

 
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Publicado por em 1 de Março de 2013 em economia, governação

 

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Economistas de esquerda?

Há alguns dias atrás, numa conversa com duas pessoas por quem tenho grande estima, levantou-se a questão de parecer não existirem economistas de esquerda. Discordei, argumentando que há vários (quer no nosso país, quer fora dele); mas tal conversa fez-me pensar.

De facto, há economistas de esquerda – como é óbvio -, mas devo concordar que me parece que são em menor número que os de direita (embora não tenha dados para o comprovar) e que, sobretudo, a sua voz é menos escutada hoje em dia. Ou, pelo menos, é a sensação que dá; e julgo que esta é uma percepção mais ou menos generalizada. Olha-se para a Wikipedia (bem sei que não é uma boa fonte, mas para dar uma ideia geral serve), e constata-se que, de facto, a maioria dos economistas portugueses mais proeminentes são de direita. Todos os dias, nos media portugueses há mais comentadores de economia com perspectivas de direita (e mesmo apoiantes de partidos da direita) do que de esquerda. Hoje em dia, partindo do princípio de que há isenção nos órgãos de comunicação social (parece-me não haver, mas isso são contas de outro rosário), não faz sentido que assim seja.

Nasci no início da década de 80, em plena Guerra Fria. Talvez por isso, cresci a ler e a ouvir falar numa divisão entre esquerda e direita, em que a esquerda atribui o papel de actor principal da economia ao Estado e a direita advoga a total liberdade da iniciativa privada; em que a direita defende a globalização do capitalismo e em que a esquerda se opõe a tal; em que a direita fala de economia e a esquerda fala de Estado Social. Entretanto cresci, maturei ideias, e hoje sei que esta perspectiva «a preto e branco» não faz sentido; porque a globalização é, nos tempos que correm, uma realidade a que não podemos nem devemos querer  escapar; porque quer se preconize um modelo sócio-político de esquerda ou de direita, quer se olhe para o país numa perspectiva nacional ou internacional, tem sempre de se falar de economia.

Hoje, ao começar a leitura do livro “Portugal nas Transições”, de Mário Murteira, adensei ainda mais os meus pensamentos sobre o tema. Deparei-me, logo nas Notas Prévias do livro, com um texto de Américo Ramos dos Santos:

Não é meu propósito apresentar o Autor, que não precisa que o faça, pois de há muito que é um dos raros Economistas portugueses que sempre fugiu à mediocridade reinante dos “economistas” comentadores e analistas que, para benefício próprio, ou dos seus “patrões”, têm tido grande responsabilidade no descaminho e no descrédito de Portugal, sem contributo visível para a Riqueza Nacional.

Este texto está completamente alinhado com a minha opinião sobre muitos dos economistas e comentaristas de economia cujas vozes vamos escutando.

Continuei a leitura e encontrei outro excerto interessante, este agora do próprio autor do livro, que também vai de encontro à minha reflexão dos últimos dias sobre este tema:

Sabe-se que o conceito de economia de mercado é distinto do de capitalismo. Podem coexistir, na realidade, mas não necessariamente. E, recorde-se, expressões como «economia social de mercado» ou «socialismo de mercado», já foram utilizadas com maior ou menor justificação e convicção em experiências concretas de países como a Jugoslávia de Tito ou a China pós-Mao, em certas fases da respectiva trajectória política e económica.

Obviamente, um economista não tem de ser necessariamente de ser neoliberal. Aliás, um dos economistas de maior relevo em termos históricos, muito citado recentemente, o inglês John Maynard Keynes, defendeu a afirmação do Estado como regulador indispensável da economia, opondo-se à ideia neoliberal de que o mercado se regula a si próprio (o que, por si só, não faz dele, obrigatoriamente, um economista de esquerda). O Prémio Nobel da Economia de 2008, Paul Krugman, é também ele considerado um keynesiano, sendo um crítico acérrimo do aumento da desigualdade de rendimentos causada pela Nova Economia, mas considera-se ele próprio um liberal (tendo mesmo escrito um livro intitulado “The Conscience of a Liberal”). O que também não quer dizer que não defenda alguns dos valores da esquerda.

Hoje atravessamos uma grave crise financeira mundial, uma crise que, como alguns defendem, é muito diferente das anteriores devido à interdependência das economias nacionais que antes não existia. Urge encontrar novos modelos económicos que curem os males da nossa economia. Não apenas que lhe sarem as feridas, mas que consigam contribuir para a sua robustez e justiça social, nem que seja necessário romper (de forma mais ou menos agressiva) com os modelos vigentes. No início desta crise falou-se muito na necessidade de aumentar a regulação dos mercados; já passaram três anos e essa regulação parece ainda não existir. Jacques Attali, no seu livro de 2010, “Tous Ruinés Dans Dix Ans?”, analisando o futuro da França face a esta crise financeira, argumenta que:

Daqui a alguns anos, o mais tardar, radiantes de terem escapado às suas próprias responsabilidades na crise financeira actual, as agências de rating, analisando as sua previsões e estudando os seus dados (…), amedrontar-se-ão e baixarão a classificação da França, como já fizeram com a Grécia, Portugal e Espanha. (…) O laço apertará a França, qual pescoço de enforcado.

A não existirem mudanças na regulamentação dos mercados os resultados podem ser muito gravosos, aumentando em muito o impacto já sentido.

À luz deste contexto económico mundial, o que me parece é que, porventura, no domínio da economia não faz sentido falar em esquerda ou direita. Essa dicotomia continua a fazer sentido na defesa do Estado Social ou na “guerra” entre os poderes do Estado e o alcance da iniciativa privada. Mas, no domínio da economia mundial – porque é nesse âmbito que hoje temos de olhar a economia -, talvez não faça.

Parece-me, sim, que as «vozes do costume» se esgotaram e que é necessário escutar novas vozes, com novas ideias. Perspectivas que podem até estar posicionadas algures na região cinzenta da análise política (porque a economia é mais uma ciência política do que uma ciência exacta). Interessa também saber porque é que continuam a ser as mesmas vozes a chegar até nós (e a quem é que isso interessa).

É esta ideia que resulta da minha reflexão nos últimos dias sobre este tema.


Referências Bibliográficas:

Attali, J. (2010), Estaremos Todos Falidos Dentro de Dez Anos? – Dívida pública: a última oportunidade, Lisboa: Alêtheia Editores

Murteira, M. (2011), Portugal nas Transições: O calendário português desde 1950, Lisboa: CESO CI Portugal, S.A.

 
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Publicado por em 4 de Junho de 2011 em economia, governação

 

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