Em Janeiro deste ano, escrevi que, depois da diminuição da protecção social e a flexibilização liberalização do mercado de trabalho, já se tinham acabado as tradicionais desculpas neoliberais para a falta de competitividade do país.
– «Humm… we decreased his salary an extra 50%… we took away his pension… and he is still working…»
– «Incredible! And he doesn’t complain?»
– «Of course not! You see, there is a “Crisis”…»
– «The man of the future has a name: The Greek!»
Confesso já ter sentido que parecemos – portugueses, gregos, irlandeses, espanhóis, franceses, europeus em geral – estar no centro de uma experiência económico-financeira sem precedentes.
Há poucos dias era João Ferreira do Amaral quem afirmava que «a prioridade do governo não é cortar o défice, [mas sim] cortar salários» e que:
«Está a ser aplicada uma fórmula para ganhar competitividade que passa por gerar desemprego, aumentar o horário de trabalho e flexibilizar a legislação, conseguindo assim baixar o nível geral dos salários. É um modelo que sempre foi discutido, mas nunca foi aplicado com esta dureza.»
Durante muito tempo orgulhámo-nos de sermos o bom aluno da Europa. Hoje, tendo a intervenção na Grécia falhado – como já deram conta vários responsáveis políticos europeus – e estando muito próxima uma decisão de perdão da dívida grega, olha-se para Portugal como a possibilidade de um caso de sucesso desta política de austeridade. Não importa quantas pessoas são arrastadas para uma espiral de desemprego, pobreza e desespero; o importante é colocar em prática as crenças neoliberais que muitos defendem, mas que poucos efeitos práticos (positivos) têm tido. Aliás, espera-se que Portugal e Irlanda sejam os dois primeiros casos de sucesso.
«Afinal, Portugal não é a Grécia. É o Chile. De há 30 anos. Não vamos apenas recuar no rendimento per capita, mas também na História, na integração europeia e, seguramente, na qualidade da democracia. Em prol de quê? – Em prol de uma fé. E a troco de quê? – A troco de uma mão cheia de nada.»
Lá, no Chile, não deu grande resultado.
Então o que está por base nesta política económica?
O Memorando de Entendimento com a Troika incluía a tão falada redução da TSU. Afinal, segundo palavras do Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, essa descida funciona bem, mas é nos «modelos utilizados nas universidades». Optou-se, assim, por um aumento da carga horária dos trabalhadores que carece, também ele, de grande fundamento prático. O objectivo continua o mesmo: apostar na teoria da desvalorização do custo do trabalho como forma de revitalizar a economia. Mais uma vez, estamos a falar de teorias económicas não comprovadas em termos práticos.
Disso são um bom exemplo os E.U.A., onde esta política de diminuição dos custos do trabalho se tem feito à custa dos salários, que se mantêm praticamente congelados desde a década de 1980. Embora não se possa afirmar que tal não tenha tido efeitos práticos na economia – porque se a macroeconomia dependesse apenas de um factor, não seria o «bicho-de-sete-cabeças» que ninguém parece entender – pode-se garantir que, seguramente, não contribuiu para o bem-estar da população – como é possível confirmar pelo Coeficiente de Gini, que mede a disparidade de riqueza num país.
Em Portugal aguarda-se um desfecho parecido. Em vez de tecer considerações sobre isto, sugiro a leitura de um artigo do Público de ontem e faço minhas as palavras do autor:
«Em 2009, os chamados working poor perfaziam 12% dos 1,8 milhões de portugueses em risco de pobreza. (…) Em 2010, ninguém sabe quantos eram. Quantos serão em 2012? Nenhum dos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO arrisca uma previsão, mas todos convergem numa certeza: a pobreza vai agudizar-se nos próximos meses e anos, muito além da sua definição estatística, principalmente à custa dos desempregados de longa duração e das famílias trabalhadoras pobres.
A estas o mais certo é juntarem-se agora os cerca de 2,5 milhões de trabalhadores cujos salários andam entre os 700 e os 800 euros.
(…)
Temos então que as famílias vão recuar “20 ou 30 anos” em termos de rendimentos.
(…)
O Governo poupou estes working poor a boa parte das medidas de austeridade. Mas, como lembra Sérgio Aires, da Rede Europeia Antipobreza, isto não faz com que consigam fugir ao aumento do custo de vida. “Não lhes é possível chegar a um supermercado e apresentar a declaração de IRS para obter desconto no arroz.”»
Tudo isto valerá a pena?
Cada vez mais me convenço que não; que há medidas que estão muito mal fundamentadas e justificadas por razões de difícil compreensão – como «desvios colossais» que ainda não foram devidamente demonstrados – e que há fortes orientações ideológicas por trás de tudo isto.
Independentemente de quem a conduz – Governo Português, União Europeia, FMI, Angela Merkel, Nicolas Sarkozy, Moodys, JP Morgan Chase, ou qualquer outra entidade –, cada vez mais sinto que, neste momento, fazemos parte de uma experiência socioeconómica sem precedentes; somos pouco mais que cobaias de laboratório.
Entretanto, a Moody’s já veio afirmar que teve em conta as novas medidas de austeridade.
A mim, ninguém me tira da cabeça que a Moody’s pode até tê-las considerado pela negativa. Porque, não é por nada, mas o anúncio de medidas extraordinárias logo em Julho não dá sinais lá muito positivos para os mercados…
Tal como anunciado ontem pelo novo Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho e pelo novo Ministro de Estado e das Finanças Vítor Gaspar, o novo imposto incide sobre 50% do valor do subsídio de Natal, acima do valor do salário mínimo.
Ou seja:
Imposto = (Subsídio de Natal – 485,00 €) / 2
Verifica-se que se respeita o princípio da progressividade consagrado no artigo 104º da Constituição Portuguesa, mas não deixa de ser interessante notar que a grande aceleração da progressividade do imposto se dá nos rendimentos correspondentes à classe média-baixa (750,00 €, 1.000,00 €, 1.500,00 €) e que, em termos de proporção de incidência do imposto, para o novo Governo, não há grande diferença entre ter um rendimento de 2.000,00 € / 2.500,00 € ou de 20.000.00 € (ou seja, entre classe média-alta e ricos).
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