Antes de mais importa desmitificar: estudar e tirar um curso superior ainda é uma vantagem para entrar no mercado de trabalho.
Para muitas pessoas pode nem haver qualquer dúvida mas, nos últimos tempos, na sequência do lamento dos Deolinda, a que se seguiu um movimento fundado num sentimento de legitimidade válida mas de critério amblíope e de finalidade enviesada, têm-se ouvido algumas barbaridades sobre a importância de estudar ou não, como forma de garantir um futuro melhor.
Os dados estatísticos são inequívocos. O gráfico seguinte (retirado do estudo “A Procura de Emprego dos Diplomados com Habilitação Superior”, referente a 2010, do GPEARI) mostra a evolução do número de inscritos nos centros de emprego, por meses e níveis de ensino, de Junho de 2005 a Junho de 2010. É bem evidente que a quantidade de inscritos nos centros de emprego diminui à medida que se avança no nível de ensino. Se excluirmos a categoria de desempregados sem qualquer instrução (que apresenta valores baixos porque, felizmente, já há poucas pessoas sem instrução em Portugal), constata-se que o nível de instrução tem uma relação inversamente proporcional aos números do desemprego. Mais, a quantidade de desempregados com formação de nível superior é substancialmente inferior à de qualquer outro nível de ensino. De facto, em Junho de 2010 havia um total de 494 668 indivíduos à procura de um novo emprego em Portugal Continental, dos quais 32 118 possuiam habilitação superior (3% da população com habilitação superior entre os 15-64 anos residente em Portugal e 6,5% do total de desempregados) (GPEARI, 2010). Somando os inscritos à procura do 1º emprego, o número de desempregados com habilitação superior sobe aos 43 324, enquanto o total de inscritos aumenta para 531 348. Isto quer dizer que, no total, somando quem está à procura do primeiro emprego e quem está à procura de novo emprego, apenas 8,15% têm formação superior.
- Desempregados inscritos nos centros de emprego por meses e níveis de ensino, Junho de 2005 a Junho de 2010 (GPEARI, 2010)
Além disso, enquanto que de meados de 2008 para cá se nota um crescimento na quantidade de pessoas desempregadas com formação ao nível do ensino básico ou secundário, o número de desempregados com formação superior mantém-se praticamente estável. Tal parece indicar que a posse de um curso superior transmite maior estabilidade ao que ao mercado de trabalho diz respeito.
Além disso, os dados divulgados pelo GPEARI mostram que 71% dos desempregados com formação superior estão inscritos nos centros de emprego há menos de um ano.
Fica assim demonstrado que o nível de formação ainda conta (e muito) para a empregabilidade.
Uma queixa comum é a de que muita gente com cursos superiores (às vezes até mestrados e doutoramentos) é obrigada a trabalhar em áreas que não têm nada a ver com a sua formação. Esta é, quanto a mim, uma queixa válida, motivada por um problema real: a falta de ofertas no mercado de trabalho em certas áreas ou, se preferirmos, a saturação de determinados sectores.
Não estranhamente, há algumas áreas sobre as quais ouvimos mais lamentos e parece-me óbvio que se tratam de casos em que já há muito mais gente habilitada do que vagas para preencher; e o pior é que, nalguns casos, falamos de áreas às quais correspondem os cursos universitários com mais alunos.
O mesmo estudo mencionado anteriormente, indica que, em Junho de 2010, as áreas “Ciências empresariais”[1], “Ciências sociais e do comportamento”[2] e “Engenharia e técnicas afins”[3] concentravam 41% do total de inscritos com habilitação superior (19%, 13% e 9%, respectivamente).
Num olhar mais considerado, tendo em conta o peso da relatividade de cada caso, constata-se que áreas como “Serviços sociais”[4], “Informação e jornalismo”[5], “Ciências sociais e do comportamento” e “Indústrias transformadoras”[6] apresentam os maiores pesos relativos dos inscritos nos centros de emprego, por relação com os diplomados nessa área (9,7%, 9,2%, 7,5%, 7,1%). Por outro lado, áreas como “Serviços de segurança” (1,6%), “Matemática e estatística” (2,0%), “Formação de professores/formadores e ciências da Educação“ (2,3%) e “Saúde“ (2,3%) apresentam melhores valores de empregabilidade para os seus especialistas. Comprova-se, portanto, que existem áreas de estudos mais propensas a originar situações de desemprego que outras.
Acresce a isto que não foi nestas áreas que houve maior variação do n.º total de desempregados. Os gráfico seguinte mostra essa variação, por área, entre Junho de 2009 e Junho de 2010. Como é possível observar, houve, de facto, algum crescimento nas áreas apontadas, mas não foi nelas que o aumento foi maior. Isto quer dizer que as dificuldades em encontrar emprego dos seus licenciados não têm causa recente. Eu até diria que são recorrentes e crónicas.
- Variação (%) do nº total de desempregados com habilitação superior por áreas de estudo, Junho de 2009 e Junho (GPEARI, 2010)
Pode-se ainda olhar para os números dos diplomados em estabelecimentos de ensino superior, por áreas de estudo, de 1999-2000 a 2008-2009, e constata-se que os diplomas em áreas como “Ciências empresariais” representaram 15,3% do total de diplomas, que “Engenharia e técnicas afins” correspondeu a 9,2% e ”Ciências sociais do comportamento” a 8,1%. É claro que esta análise não é de totalmente correcta, já que apenas tem em conta a proporção de licenciados de cada área e esquece a real necessidade de mão-de-obra para cada área. Ainda assim, esta perspectiva grosseira permite vislumbrar que, de facto, existe uma incoerência entre a formação dos alunos e as perspectivas de emprego destes – continuamos a formar muita gente para áreas aparentemente já saturadas.
O que é que isto quer dizer? Por um lado, indica que existirá uma real responsabilidade das universidades e do governo por permitirem que o número de desempregados vá crescendo em determinadas áreas para as quais a procura de emprego excede a oferta e em que continua a haver uma larga oferta de vagas nos cursos superiores. Por outro (e mais importante), quer dizer que talvez seja injusto e inadequado que o governo seja o único visado pelas críticas. Muitas das pessoas que estão hoje desempregadas, formaram-se em áreas saturadas, quando já se sabia que estavam saturadas! Em primeira instância, cabe a cada um de nós a responsabilidade de escolher o nosso futuro! A opção por um curso superior não pode ser tomada de forma leviana. Tem de ser uma decisão reflectida, tendo em conta as nossas próprias características e preferências, mas também as perspectivas de emprego e de carreira que o curso possibilita. De outra forma, pode-se cair na desgraça do desemprego; e pode-se também cair no ridículo de nos vermos a culpar os outros pelas opções que tomámos.
Resumindo: continua a ser importante estudar (e, nomeadamente, obter uma habilitação superior), desde que nas áreas certas.
Uma vez optando pela área “errada”, o caminho para o sucesso terá de passar pela procura da excelência e pela preocupação de nos destacarmos dos demais, como forma de conseguirmos atingir o “lugar ao Sol”. Mas isso já é outra história, sobre a qual me poderei debruçar numa oportunidade futura.
[1] Nesta área incluem-se, por exemplo, os cursos de Administração Pública; Assessoria de Administração; Auditoria; Contabilidade; Finanças; Gestão; Gestão Financeira; Gestão de Recursos Humanos; Marketing; Relações Públicas; Línguas e Secretariado.
[2] Nesta área incluem-se, por exemplo, os cursos de Antropologia; Ciência Política; Economia; Estudos Europeus; Geografia e Planeamento; Psicologia; Relações Internacionais; Sociologia.
[3] Biotecnologia; Engenharia Biotecnológica; Engenharia Electromecânica; Engenharia Electrónica; Engenharia Electrotécnica; Engenharia Industrial; Engenharia Informática; Engenharia Mecânica; Engenharia Química.
[4] Ciências do Desporto; Educação Física; Gestão Hoteleira; Turismo.
[5] Nesta área incluem-se, por exemplo, os cursos de Ciências da Comunicação; Ciências da Informação; Comunicação Social; Jornalismo.